Arquivo para julho, 2008

Lições – de N. C. Fernandes

Posted in Sem categoria on 27 de julho de 2008 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Vai lá um dos milhares de poemas de N. C. Fernandes.

LIÇÕES

Ensinaram-nos a matar
E a morrer,
Mas não nos ensinaram a viver.

Ensinaram-nos a mentir
E a enganar,
Mas não nos revelaram a verdade.

Ensinaram-nos a trair
E a fingir,
Mas não nos mostraram a lealdade.

Ensinaram-nos o orgulho
E a vaidade,
Mas não nos legaram a humildade.

Ensinaram-nos o ciúme cego
E a cupidez,
Mas não nos incutiram a indulgência.

Ensinaram-nos a adorá-Lo
E a temê-Lo,
Mas não nos ensinaram a amá-Lo.

Narcisimo I

Posted in Sem categoria on 22 de julho de 2008 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Estimado Público!

Narcisismo
ex (a)
des sperado
cerbado
gerado
………
……

..
.
fundo
do
p o ç o
(mas existe fundo?)

Tese: Como disse uma outra, a generosidadade é um sentimento/ação cada vez mais raro entre os convivas.

Pergunta : Para se auto-enaltecer, é preciso obrigatoriamente procurar esmagar o outro que reluz? Não há luz o suficiente para todos?

Hipótese: Velho Bourdieu tem Razão: o Real é Relacional e o Relacional é Real.

Quem teme a morte acaba por temer também a vida. E o inverso é verdadeiro. E teme antes de tudo a sua sorte nesse mundo desumano, demasiadamente desumano. Fraquezas. E nesse mundo de identidades esmigalhadas, momentaneamente fraturadas – ainda que o mundo os faça acreditar que tal estado de coisas não seja um estado, mas sim suas próprias “essências” – o outro vira um mero suporte para o próprio prazer. Fugaz e falso prazer. Temem, enfim, a si próprios.

Descartes o neoliberal que existe em ti – e em nós também. Descartemos. Pois se “TUDO me é permitido”, por que raios eu só me permito fazer merdas e reproduzir as estruturas do existente? Não haveria modo de enobrecer – não no sentido de nobres franceses – as minhas atitudes? Por que só destilar ódio, rancor, inveja e ressentimento se também existem o amor, a amizade, a beleza própria, a generosidade e a caridade? Por que, a partir do momento em que tomamos consciência dessas duas faces da vida, insistirmos em cultivar o que há de pior em nós e só enxergarmos o mal nos outros ao invés de se proceder ao contrário? Por que caminhar olhando para o chão ao invés de se tornar os olhos ao céu? O mundo teria nos posto cabrestos sem o sabermos?

Sim, podem alguns dizer que sou ingênuo, quase um Cândido personagem… E que assim seja! E que venham a mim as criancinhas.

Podem outros dizer que só ajo e penso assim como forma de me elevar. Nada mais restaria neste planeta do que virtudes de auto-engano, cultivo a contrario da vaidade e do orgulho de não se sentir pertencente às misérias e provações do cotidiano, pois no cotidiano e do cotidiano viriam as “provas irrefutáveis” do niilismo inconseqüente que absorvem e reproduzem.
A esses pobres coitados, sofredores preguiçosos travestidos de profetas e filósofos que tomam a sua medida pessoal e as suas incapacidades como a medida de todo o universo que os rodeia, só posso lamentar. E que nos percalços da vida encontrem algo ou alguém que os faça perceber que estão redondamente enganados. Pois vêem e não enxergam, ouvem e não escutam, vivem e não sentem, analisam e não compreendem. Na verdade, compreendem sim: o ódio mas não o amor, a inveja mas não a fraternidade, a vaidade mas não o desprendimento, a terra mas não o céu. pois a compreensão é a arte da empatia.

Descartemos assim o cogito da santíssima trindade do Capital:

Penso, logo existo.
Outros também existem.
Existo, logo compito.

O que tais indivíduos tanto buscam no outro? Reconhecimento. E só.

“Amo-os na medida em que me reconhecerem.”

Pobres presas do sistema mundial da Indústria Cultural… O mundo todo transforma-se para tais mentes doentias no “estimado público”. Tudo fazem para os outros. Respiram para os outros. Vivem para os outros. “O Real é o relacional e o relacional é o real”. E o racional? Ação racional com relação a fins. E só.

– “Amigos? Que nada! Eu quero é público!!! Quero que a sociedade me ame, ainda que eu os odeie e despreze! Quero tudo! Eu! Je! Moi! Je! Moi! Me! I Love Me! Yo! Ich!”

Querem o reconhecimento imediato, sendo que nada percebem além de si mesmos.
Quando reconhecem algo no outro em suas buscas desenfreadas de si, nada mais lhes aparece do que o reflexo de sua própria individualidade destruída, qual seja, a avareza, a ganância, a cobiça, o desprezo, o ódio…

O narcisismo doentio muitas vezes tem como princípio uma mãe que muita ou nenhuma atenção deu à criança. Se muita, quer que todos continuem a dá-la como ela o fazia. Se nenhuma, querem a todo custo chamar a atenção de todos.

O todo existe para esses apenas e somente fora deles próprios. O Ser só existe em Si, alhures. Daí a tal da “cisão” eterna a que se autocondenam. Pois no fim descobrem que consideram os outros, sentido caché de suas vidas, um grande nada.
Resultado: o “Eu” é apenas visto como um vazio sempiterno. E a busca eterna do nada recomeça incessantemente como sentido de vida para tais sofredores.

“Quem sou eu?”
Resposta: Ego está para Nihil assim como zero está para zero!

Mas não há esperanças? Sim, o há. Sempre ainda é hora. Recomeçar é mais duro do que começar, mas há sempre um braço aberto esperando o abraço do reencontro. E maior será a festa nos céus quando o filho pródigo retornar…

A Lenda do Peixinho Vermelho

Posted in Sem categoria on 20 de julho de 2008 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Famosa lenda egípcia. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça…

Quem tem ouvidos para apenas se ouvir – o mais comum no mundo libertário-neo-liberal de hoje -, que se ouça. E que se afogue, infelizmente…

***

“No centro de formoso jardim, havia um grande lago adornado de ladrilhos azul- turquesa. Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas do outro lado através de grade muito estreita. Nesse reduto acolhedor vivia toda uma comunidade de peixes a se refestelarem, nédios e satisfeitos em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de rei, e ali viviam plenamente despreocupados entre a gula e a preguiça.
Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho, menosprezado de todos. Não conseguia pescar a mais leve larva nem refugiar-se nos nichos barrentos. Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso. O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome. Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse. Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniria maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro. À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo: – “Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?” Optou pela mudança. Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima. Pronunciando votos renovadores avançou otimista pelo rego d’água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu, embriagado de esperança…
Em breve alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos. Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhe mais fácil roteiro. Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo. Habituado com o pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e a agilidade naturais. Conseguiu desse modo atingir o oceano, ébrio de novidade e sedento de estudo. De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda a água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos Peixes rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas. O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações. Plenamente transformado em suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo no Palácio de Coral que elegera com centenas de amigos para residência ditosa, quando, ao se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano. O peixinho pensou, pensou… e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles. Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes a tempo valiosas informações? Não hesitou. Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no Palácio de Coral, empreendeu comprida viagem de volta. Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar. Esbelto e satisfeito como sempre pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.
Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia. Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lotus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis. Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém ali havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou então o rei de guelras enormes e comunicou-lhe a reveladora aventura. O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu com ênfase que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer, de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceanos e ofereceu-se para conduzi-los ao Palácio de Coral, onde viveriam todos prósperos e tranqüilos.
Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à venturosa jornada. Antes que terminasse, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram, solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquelas história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos Peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até a grade de escoamento e, tentando de longe a travessia, exclamou borbulhante:- “Não vês que não cabe aqui nem uma só de minhas barbatanas? Grande tolo! vai-te daqui! não nos perturbes o bem-estar… Nosso lago é o centro do Universo… Ninguém possui vida igual à nossa!…”Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se em definitivo no Palácio de Coral, aguardando o tempo. Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca. As águas desceram de nível. E o poço onde viviam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a perecer atolada na lama…”

O Semeador

Posted in Sem categoria on 12 de julho de 2008 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Voltou Jesus a ensinar à beira mar.

E reuniu-se numerosa multidão a ele ,
de modo que entrou num barco onde se assentou, afastando-se da praia.

E todo o povo estava à beira-mar , na praia.

Assim lhes ensinava muitas coisas por parábolas , no decorrer do seu
doutrinamento.

Ouvi : Eis que saiu o semeador a semear .

E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho , e vieram as aves e a
comeram.

Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu , visto
não ser profunda a terra .

Saindo, porém, o sol a queimou, e, porque não tinha raiz, secou-se.

Outra parte caiu entre os espinhos ; e os espinhos cresceram e a sufocaram , e
não deu fruto.

Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto que vingou e cresceu , produzindo
a trinta a sessenta e a cem por um.

E acrescentou : Quem tem ouvidos para ouvir, ouça .

Adieu Paris

Posted in Sem categoria on 7 de julho de 2008 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Sim, já sinto o cheiro do rio Tietê.

A Marginal lotada me dá as boas vindas. Lá está o S.C.C.P., primeiro grande monumento à vista da gigalópole monumental.

Sinto já a rolagem sem fim da 23 de maio, a parcimônia das tardes ensolaradas de domingo, a expectativa e o cheiro de estádio perto do Pacaembu.

Uma pitada de umidade com muita poluição e um bocadinho de mofo é igual a rinite alérgica. Prevejo por isso o meu primeiro espirro depois de seis meses de luz, secura e frio. Espirro = Factum real e comprobatório de onde me encontro. Só mesmo São Paulo em todo o mundo reúne as condições químicas propícias para acionar tal mecanismo em minhas vias respiratórias.

Reúne também as condições que me deixam mais forte em todos os sentidos. Espirro = Vacina do Real. Não-espirro = não-estar em casa. Misticismo? Não. É difícil perder jogando em casa. Diria que é mesmo impossível.

Casa mesmo? Exílio Natal, mas sobretudo natal. Quem está acostumado desde sempre à hostilidade cotidiana não se perturba com nada. Leva na brincadeira até mesmo o supra-sumo da violência mundial: o ar de arrogância parisiense.

Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. E que se cale.

Alô alô Chiuauas que ladram de ermos pontos do mundo! Tão ferozes e tão inofensivos… Aliás, li dia desses no Estadão que os cães pequeninos são os que mais atacam os seus donos. Por trás da suposta doçura e fidelidade caninas esconde-se a indignação contida da consciência de suas impotências. Queiram talvez por isso demonstrar sua violência gratuitamente. Cães que ladram mordem? São muito mal-resolvidos esses cãezinhos pequeninos. Tomarei mais cuidado com a Fridinha de agora em diante…

Já que o tema é animais, descobri que um mamute alado como eu não pode viver em Paris. Onde já se viu uma cidade que cabe todinha em um mapa de 25 por 35 cm? Quem está acostumado à real grandeza caótica de São Paulo acha ridículo o pequeno parque de diversões francês. Essa Disneyworld da sapiência e da cultura é cansativa, falsa e pequena como toda Disneyworld. E não passa disso. Quem desdenha quer comprar? Comprei, como um bom burguês, e não gostei. Posso devolver?

De Mickeys Mouses e Sartres vive o passado. O presente? – Deixe isso no passado. Who is who aujourd’hui? Um grande vazio assola o mundo dos vivos.

Só faz sombra aos outros aquele que tem tamanho para tal. E ainda que Paris queira desenfreadamente que todos se prostrem em sua reverência, tal situação não passará nunca do incerto e passageiro. Levantar-se sim é a arte dos mais fortes. Alguns caem e caem em tentação: passam a gostar de viver da e na lama. Dizem mesmo que o gosto da merda de que se alimentam é melhor do que o da seiva das alturas. E tudo isso pela preguiça de não quererem se levantar! Quantas justificativas têm que se dar, quanta criação fadada à lata de lixo da história! Pobre ingênua e orgulhosa humanidade… O prazer em socar a ponta da faca hoje em dia é a Lei. E os profetas.

Paris, adieu. Não é au revoir não. Não mais voltarei para gastar dinheiro. Só volto se me pagarem, e muito bem. Como dificilmente será o caso, adieu mesmo. Sacodirei a poeira dos meus sapatos para nada levar dessa terra. A não ser as antigas idéias, fugazes como o ar. Que é só o que sobrou nesse pequeno oceano de decadências mil.