Liberdade

De tão artista, zombo da arte.

De tão cientista, zombo da ciência.

De tão amigo, zombo da amizade.

De tão religioso, zombo da religião.

De tanto filosofar, zombo da filosofia.

De tanto amar, zombo do amor.

De tanto odiar, zombo do ódio.

De tão livre, zombo da liberdade.

E assim por diante.

Confesso que começo a achar graça daqueles potros raivosos que se levam a sério em qualquer um dos domínios a que a sociedade os tenha relegado.

Precisam construir auto-justificativas que os enobreçam aos olhos dos demais e aos seus próprios olhos a todo instante.

A sua esferazinha de ação deve ser a melhor por decreto, pois é lá que investiram o sentidozinho opaco e cambiante de suas vidas.

A mais pura, a mais elevada, o posto de onde se vê e se vive com maior lucidez, empatia e altivez o resto…

Pior é quando o frenesi distintivo toma o partido da “liberdade”…

Quem não partilha do partido é acusado de ressentido, fracassado, religioso, cientista, medíocre, prisioneiro etc…

Os condicionantes de todos e de tudo devem ser revelados, com a exceção do meu, é óbvio, sob pena de a farsa em que “decidi” viver me seja jogada na cara.

Lutam quixotescamente contra o tal “todo”.

O “todo”, no entanto, é implacável até mesmo com o potros mais livres…

Aproveitemos o que a condição burguesa nos concedeu, arautos da liberdade!

Zombemos da própria zombaria sem termos de nos entrincheirar em um dos conventículos disponíveis para tanto…

Mas não!

Aí a liberdade é demasiada! Pois corda é preciso quando se quer enforcar-se. Mesmo que seja na liberdade.

Ora, acusemos os outros! Isto sim é fácil de se fazer. Assim como o faço agora.

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