Arquivo para julho, 2010

Soterrados no concreto

Posted in Sem categoria on 18 de julho de 2010 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Euge!

São Paulo cresce a olhos vistos!

De1982 a 2007, 6728 edifícios foram construídos na pujante capital. O que representa, em média, a exata ereção de 1,35627229 novo prédio por dia.

Que magnífico! Com orgulho anunciamos números que nos tornam melhores, mais ricos e felizes. O futuro é para cima.

Vivas aos infindáveis “lançamentos”!

Vivas aos majestosos “empreendimentos”!

Vivas aos arregimentados jovens periféricos de fim de semana, que com um entusiasmo invejável agitam bandeiras sem causa anunciando em frente às moradias vindouras – que nunca serão deles – o advento de mais um caixote fálico concretado na cidade!

Quanta beleza arquitetônica expressam as fachadas talhadas de varandas semi-circulares e cores discretas! Quanta alegria e aconchego suas grades reforçadas com fios eletrificados, câmeras de segurança e concertina nos transmitem!

O minimalismo que dá o tom do mundo de hoje chega a ser comovedor; necessitamos apenas de alguns cubos para sobreviver: um grande, o edifício cúbico, que comporta um cubo interno, o apartamento, que, por sua vez, guarda cubos de metros quadrados – os cômodos – que contêm a cúbica televisão. Sem contar o cúbico automóvel, nosso nós-outro.

Como bonecas russas, as coisas se encaixam perfeitamente. Mundo melhor não há nem nunca haverá.

Segurança, bem-estar, espaço-gourmet, churrasqueira, piscina, salão de musculação, de festas, suítes – muitas suítes – garagem privativa, guarda-volumes e muito mais. Quase sempre repletos daquele triste vazio modorrento típico dos condomínios burgueses… Mas que importa, já que paisagens paradisíacas repletas de área verde, espaço e céu aberto margeiam os condomínios… ainda que seja no mundo das idéias, ou nos desenhos das plantas distribuídas nos faróis de sábado.

Sim, o distante sonho de cidade arejada e arborizada é jogado em nossa cara a cada novo panfleto que comemora e anuncia o cravejamento de mais uma torre na terra bandeirante. Afinal, nenhum dos compradores reclama da ausência das bucólicas paisagens ao dar de cara com seu vizinho de prédio coçando o pé a menos de seis metros de sua lúgubre varanda que jamais vê a luz do sol… E quem precisa de sol, do Sol, de luz, de verde, de ar e de todas essas ninharias, a não ser passarinhos e os eternos insatisfeitos?

Brasil, o país do futuro, um país de todos.

Como tudo na vida, o progresso cobra seu preço, ainda que mínimo, comparado com as benesses que proporciona.

O vovô que morava na casinha com jardim do bairro meio periférico  teve que se mudar. Velhinho e simpático, seu lar foi comprado pelo empreendedor. Assim como os de seus vizinhos. O quarteirão se modifica, residências devem vir abaixo; é mais um símbolo de glória e conquista que se anuncia.

Vivas eternos, e glória aos empresários do ramo da construção de São Paulo, do Brasil e do mundo!

Hão de convir que ninguém contribui mais do que eles para o intumescimento da comunidade paulistana… Portadores do progresso, quantos empregos ofertam aos personagens queridos por todos os paulistanos natos, seus irmãos de obra, os nobres peões; quantas oportunidades esses simpáticos, abnegados e visionários senhores grisalhos nos trazem. Sem eles, nada seríamos…

Vivas aos bravos vereadores, prefeitos, governadores, presidentes, deputados estaduais, deputados federais, senadores e todos aqueles que merecem nossa gratidão eterna! Firmes e convictos, criam o ambiente perfeito para que nossas incorporações floresçam. São Paulo só se tornou o que é graças ao infatigável trabalho desenvolvido por eles em prol da população!

Em terra tão fértil que tudo dá, segundo nosso caro Policarpo Quaresma, até mesmo se nela jogarmos cimento nascem prédios.

É esta Verdade que os incorporadores paulistanos nos provam a cada dia, aliás, mais do que uma única vez por dia.

O Príncipe está nu

Posted in Sem categoria on 4 de julho de 2010 by Dmítri Cerboncini Fernandes

Apesar dos problemas de verossimilhança e da péssima atuação de alguns atores, o filme “O Príncipe” (2002), do cineasta Ugo Giorgetti, vomita com perfeição em nossa cara branca, meio-esquerdista e pequeno burguesa de paulistanos amedrontados, a loucura coletiva que nos acomete nesta cidade que, a cada dia que passa, vê suas luzes se apagarem – se é que já estiveram acesas…

O Brasil que deu certo amalgama-se aqui, no centro “expandido” da engalanada, luxuriosa e purpurinada megalópole andrajosa, fedentina e desdentada.

A cada naco de gente que tropeçamos nas calçadas pestilentas e quebradiças beirando o Minhocão corresponde um Porsche ou uma BMW pousados nos assépticos postos de gasolina da Rua Colômbia, nos Jardins.

Para além das aferições e relações sociológicas, porém, mendigos e automóveis irmanam-se mais do que se pode presumir: ambos são paródias de ready-mades, prontos a se tornar obras de arte, seja por meio das objetivas de objetivos fotógrafos da miséria, seja pelo olhar embasbacado dos bons pais de família que sabem apreciar a beleza de uma máquina.

Ao fracasso pessoal dos winners sociais, retratados na película como antigos esquerdistas que viriam a capitular à sedução do mercado e suas infinitas (im)possibilidades, equipara-se o apego desesperado a Jesus dos fracassados sociais, os “últimos” que se querem os primeiros – de preferência, já neste mundo.

O clientelismo do nordestino que toma conta dos automóveis em frente à ex-casa do silencioso e discreto pequeno burguês da Vila Madalena fugido a Paris revela mais do que ele se lembrava do Brasil. Sua pressa em se desvencilhar daquele íntimo desconhecido é proporcional ao ímpeto de deixar o país “que se apaga”, o “Brasil obscuro” para trás mais uma vez. E sem pestanejar, o afrancesado redescobre que os Trópicos não são para qualquer um.

De fato, os esquerdistas da década de 1960 – e não da de 1970, como erroneamente o filme dá a entender – que não fugiram do país, tiveram que fugir de si nesta cidade em que a efetiva sociabilidade subsiste tão-somente nas praças do centrão, em meio às fogueiras dos lumpens que insistem na opção da vida.

Opção esta que diz respeito aos mais “fortes”: a alma do sensível professor de história não suportou a falta de luz. Ou seria o exagero dela?

Tudo e todos fora do lugar?

Talvez tudo esteja no lugar em demasia.

Irremediável, estatística e estaticamente no lugar.

E, por fim, aos que ficam um recado.

Que nos apeguemos à única opção possível: a prática da caridade desinteressada. Indelevelmente distantes dos de baixo, sem estômago e condições objetivas para nos comprazermos com os de cima, resta-nos confraternizar com os necessitados de toda ordem doando o nosso valor-trabalho. Triste paródia do contato com o “povo” buscado pela outrora politizada classe-média que sonhava com a revolução.

Eis o país do futuro: o mundo se abrasileira com rapidez. Não há mais possibilidade de identificação que não seja o Corinthians, o Brasil, o Manchester, o Milan…

PS: O que se fez francês sente o grito das banlieus? Será que vai querer voltar quando a água bater na bunda também por lá?