A brutalidade nossa de cada dia resulta na paralisação parcial do sentimento e da ação: o embotamento.
Embotados somos, embotados ficamos, embotados seremos.
Ao ataque, à defesa, ao ataque, à defesa, à defesa, ao ataque.
Aos que insistem em dar vida ao espírito, há uma solução na medida certa: os remédios. Eles tornam exatos os movimentos e os pensamentos, tirando do olhar o pouco do desespero vívido ou da alegria desesperada que volta e meia irrompe pela gente.
Afinal, existe na natureza semelhança tão precisa como a que nivela a opacidade das retinas dos deglutidores de Fluoxetinas, Prozacs, crack ou maconha? Hoje em dia alguém é capaz de atingir o Nirvana prescindindo das abençoadas receitas – industrializadas ou caseiras – de equilíbrio?
Sejamos iguais em nossa diferença: sejamos embotados, cada um à sua maneira.
Há o que se embota por estar pleno de satisfação; o mundo não é mais capaz de lhe proporcionar o que ele quer, pois ele não sabe mais o que quer. Há o que se embota por desconhecer seus limites; desejou pouco, talvez um filho, uma família, um marido, um pouco de sucesso, um naco de beleza. Os teve, mas descobre que com o tempo, o mundo cada vez menos lhe diz respeito. Há o que se embota pela falta. Falta tudo, falta amor, falta pão, falta carinho. Pois tristeza demais, ou alegria de menos também embotam.
Atrativa e pegajosa, a situação de embotamento arrasta tudo e todos à não-reflexão. Falta pouco para se anular o pensar, presumida “qualidade” intrinsecamente humana. Demasiadamente humana.
Embotados de todo mundo, uni-vos! E deixemos que o furor frenético do Eu termine seu trabalho de embotamento dos seres mais unidos e isolados que a história jamais viu.
Ainda falta para nos embotarmos do embotamento.