Dialética do Absurdo

O Homem do absurdo diz: “Perdão por tudo o que te fiz. Eu te amo”.
O homem normal, o homem do mundo diz assim: “Não vejo sentido em tentar te mostrar o absurdo que existe no contraste entre tudo o que foi dito antes e o que foi dito agora…”

Sim, absurdo. Esta é palavra exata: absurdo. Ela define justamente tudo aquilo que foge ao “normal”, ao “esperado”, ao “dado”, e desse modo, ao “estático”, ao “sempre mesmo”, ao “natural”.

Absurda foi a conversão de Paulo na estrada para Damasco.

Tão absurda quanto o beijo de Jesus em Judas.
Muito, mas muito absurda foi a atitude de Maria Madalena, ao deixar repentinamente sua vida de gozos pretérita e passar a seguir um pé rapado, sem eira nem beira, que ia ser morto e difamado pelo seu próprio povo.
Absurdo também foi Raskolnikov ter se entregue às autoridades, assim como ter se sentido livre após ter passado pelos anos de provação na Sibéria.
Absurdo somos todos nós, que ainda olhamos uns nos olhos dos outros depois de Auschwitz, depois de Torquemada, depois dos Gulágs, depois de Hiroshima, depois dos navios negreiros, e ainda conseguirmos nos amar tanto em alguns casos.
Assim como absurdas são as linhas de Guernica, quando um absurdo sublimado expressa o absurdo do real, este, de fato, um absurdo negativo. Quem diria que aquele absurdo absoluto poderia vir a se tornar um absurdo estético, com tamanha beleza em meio à destruição mais pura?
Sim, um dos maiores absurdos, segundo o espiritismo, seria uma mãe tomar em seu ventre seu antigo assassino, ou o antigo algoz que a tenha deixado desamparada em tempos pretéritos. Querem maior absurdo do que este?
E o “amar aos seus inimigos, fazer bem aos que vos perseguem e vos caluniam”… Quer um mandamento mais absurdo?
Sócrates não querer ser salvo e tomar a cicuta para preservar seus ideais e servir de exemplo encarnado à justiça e à verdade é outro dos grandes absurdos que vimos na história da humanidade.
Há também absurdos pequenos, mas nem por isso menos absurdos, como a atração que, depois de erros e mais erros, algumas pessoas ainda sentem umas pelas outras.
Enfim, há diversos tipos de absurdo, e que belos, sublimes, restauradores e libertadores são esses absurdos, não?

O perdão de fato é o suprassumo do absurdo.

Assim como o esquecimento das ofensas, o amor desinteressado, a lealdade por uma ideia, por uma pessoa, daqueles que sabem que se prejudicarão mundanamente por levarem a cabo essa sua própria lealdade a essa própria ideia ou pessoa.
O absurdo é o movimento real do mundo, o Movimento em seu estado puro. É a mão invisível do Espírito atuando em nós e por nós. Por meio do absurdo, a cicatriz da História percorre seu lento e longo caminho, e a possibilidade da redenção bate às nossas portas a cada vida, a cada dia, a cada segundo. Basta a nossa vontade em compreendê-lo e a aceitá-lo. Para nós e para os outros.
O absurdo é a síntese cujo resultado concretizado rompe com a aparência de estaticidade, do sempre-o-mesmo, da permanência.
O absurdo faz com que nos renovemos, com que os atos passados possam ser refeitos, com que nossos erros possam ser transformados.
O absurdo compreendido em sua essência nada mais é do que a lucidez objetiva se autodeterminando em meio e por meio de nós, subjetivamente.
O absurdo é o amor se exteriorizando, sem peias, sem ressentimentos.
O absurdo é o impulso do ato revolucionário em si mesmo, é a vida de uma pequena flor pulsando em meio à selva de concreto, é o mártir a sorrir para seu algoz, e sorrir ao caminhar para a boca dos leões.
O absurdo é o que de mais lúcido este mundo absurdo nos lega.
É a chave para enxergarmos para além das aparências, para agirmos para além dos preconceitos e preceitos “realistas”, para entendermos o mundo e nós mesmos neste mundo.
Entreguemo-nos ao absurdo, e o absurdo nos guiará pelo teatro da vida, pelo elo que nos vincula indelevelmente à totalidade e ao próximo como se fôssemos nós mesmos.
O sentido se desvelará, e o colorido da imensidão infinita se descortinará aos nossos olhos, cansados do cinza que nos confina em um falso conforto.

O absurdo é o estranho mais próximo a nós.

[Silêncio…]

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