Carta de amor a Gregório Duvivier

Prezado Gregório Duvivier, não o conheço pessoalmente, sei que jamais lerá isso, mas me senti tocado pela sua carta aberta à sua ex(?)-amada no dia de hoje. Resolvi contar uma coisa a você: o amor é um acidente, que geralmente não dá certo. Ainda bem que você enxergou isso e se contentou com um mero filme que resumiu o amor de vocês. Filme que, depois de um curto lapso de tempo, ninguém mais sequer se lembrará, nem você nem ela, assim como, provavelmente, o amor que possa ter existido entre vocês.
Sim, Gregório: o amor nem sempre fica em primeiro plano. E o amor quase nunca “vence”. Muito pelo contrário; geralmente se acredita em que o amor supere tudo, que o verdadeiro amor será recompensado ao final, que o amor romperá as barreiras da indiferença, do ódio, da mágoa.
Infelizmente tenho que reafirmar que não, que não é isso o que costuma acontecer. Longe disso; o ressentimento, a incapacidade de perdão, o desespero, o desprezo, os impulsos ao rechaço, à vingança, ou seja, todas essas formas de desamor são sentimentos e ações muito mais fortes, mas muito, muito mais poderosos do que o amor. E pode se definir o amor como quiser, Gregório; seja nos termos de Camões, de Fernando Pessoa, de Jesus, de Platão, ou mesmo de Nietzsche: tudo o que estou dizendo permanece válido quando o amor se encontra em seu formato “livre”, ou seja, sem se embasar em laços de parentesco.
Uma coisa é imaginarmos um mundo conforme gostaríamos que fosse; outra é o encararmos do modo como ele é. E neste mundo, no nosso mundo e em nosso tempo, o amor é um sentimento fraco, inferior, impotente quase, que nada consegue, que nada impulsiona, escasso e moribundo. Seja ele em sua manifestação romântica, a dois, ou em sua manifestação universal e acósmica, mais raro e escasso ainda. O amor é uma utopia presente e um acidente real, quando ocorre verdadeiramente. Todos querem ser amados e todos têm a ilusão de querer amar, mas ninguém verdadeiramente quer amar, apenas ser amado. Quem ama se enfraquece, se doa, se abre a um outro para além dele mesmo, e perde assim “o controle”. O mundo não quer isso de ninguém, caro Gregório. Temos que ser fortes, brutos, impositivos, impiedosos, auto afirmativos e independentes.
Há pessoas que se vangloriam de nada amar, veja só… De não se apegarem a nada, nem a plantas, nem a animais, quanto mais a pessoas… Temos que ser libertos de tudo e de todos, e só darmos atenção a nós, ao nosso eu, aos nossos sentimentos, aos nossos interesses, ao nosso corpo, ao aqui e agora. Metas, prazeres, planos, vontades e representações: a busca da potência nos guia, não um parênteses que pode nos arrastar ao nada de nós mesmos, à solidão reflexiva, ao sofrimento mais atroz, do dia para a noite. Devemos, reza a cartilha do bom viver, no máximo, mas no máximo mesmo, respeitar o outro, o próximo, mas não o amar. Oferecer amor gratuitamente está fora de cogitação; cobrá-lo quando nos convém – e fingirmos que, antes, o havíamos ofertado aos borbotões – nos torna superiores moralmente, ao menos para nós mesmos. Nos tranquiliza a consciência.
O amor, além de tudo isso, Gregório, é fora de moda; hoje em dia a melhor tendência é a de transformá-lo, quando ele existe, em uma diluição de nada, em uma calma e tranquila “amizade” entre os dois que antes se amaram “perdidamente”, ou que imaginaram se amar. É o que provavelmente acontecerá entre vocês dois. Não que eu ache que meus avós tenham se amado por terem vivido a vida toda juntos; não, se eles se amaram em algum momento, era claro que ao final da vida eles já não se amavam mais, que apenas se suportavam por conta de regras e mores sociais, os mesmos que hoje mandam as pessoas não mais se suportar. Enfim, era a mesma coisa que hoje, só que de uma maneira diferente.
O amor de fato quase nunca existiu; ele é desses contos de fada, um mito, que deve ter existido de forma gratuita e universal em um ou outro momento da humanidade, e se espalhou em tempos imemoriais o boato de que ele poderia ser alcançado, vivido plenamente, e que todos nós teríamos, em tese, a capacidade de amar. Algo como os fenômenos paranormais, que todos sabemos que existem, que já aconteceram e podem, porventura, acontecer de novo, ao lado de casa ou com algum parente distante, mas quase ninguém presenciou, ou viu, ou conseguiu fazer algo assim, ou realmente acredita naquilo.
A ilusão do amor recobre o que de fato é posse, paixão por certo tipo de beleza, de manifestação de poder, por uma posição social, por uma história de vida, ou por aqueles que buscam a si mesmos em outros. Ou seja, amor por si mesmo, identificado em um objeto exterior. E tudo isso, no primeiro vendaval, se desfaz como castelo de areia, dando à mostra que o amor verdadeiro nunca tinha existido de fato.
As pessoas hoje são tão fortes, Gregório, mas tão fortes, que não precisam amar. Sim, Gregório, pois amar é difícil, é custoso. Em um mundo em que o hedonismo é regra, devemos apenas maximizar prazer, jamais dor. É preciso muita energia, muito empenho, muita dedicação, equilíbrio e disposição para amar. Sobretudo para continuar amando, ao longo do tempo, depois dos fracassos, das perdas, depois de tudo o que se passa em qualquer vida “normal”. Depois dos erros e acertos que o outro amado comete, e que nós sempre cometemos.
Depois de tudo, como diria Hegel, para se encontrar é necessário se perder, Gregório. E amar é se perder, se perder em outro, ou não se importar em se perder. Se todos estão tão encontrados, Gregório, se estão tão certos de si, se todos sabem realmente o que querem, como se perder? Como podem perder sua personalidade, seu orgulho, por causa de um outro qualquer?
É Gregório, a vida nos ensina: amar ao próximo somente se ele nos ama. Se ninguém nos ama, não amemos ninguém. Esta é a lei e os profetas. Existem, no entanto, os imbecis que, não se sabe como nem por quê, continuam amando, mesmo depois de tudo isso. Aí eu o convido para ler a minha “Dialética do Absurdo“.
Um abraço.
Eu continuarei a amar, por opção, ou loucura.

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